A importância da Atividade Física na pandemia do Covid-19
Deixou de praticar atividade física nos últimos confinamentos? Sabe qual a importância da mesma para a sua saúde? Descubra aqui.
Se um confinamento geral é raro, dois confinamentos num relativo curto espaço de tempo é inédito. Os contextos mudaram, mas as necessidades, essas ficam. Não será descabido até dizer que aumentaram. Ao fisico juntou-se o psíquico e neste momento não chega ter um corpo bonito, definido, é também preciso ter um corpo saudável. Uma harmonia física que se junta à emocional, ou o que seria do nosso corpo se aquilo que o comanda não funciona corretamente? A atividade física torna-se, por isso, fundamental.
Teletrabalho, crianças em casa, prazos para cumprir. Uma imperiosa necessidade de desenvolver aquela capacidade multi-tarefa que muitos de nós julgava não ter. O stress cresce, os níveis de irritabilidade disparam, a privação de sono aparece. E os compromissos? Esses estão e estarão sempre ali ao virar da esquina, prontos para nos relembrarem que a vida não pára e que os prazos são para cumprir.
Confinamento - Promotor de sedentarismo
Muitos de nós estivemos fechados em casa. O confinamento que nos foi imposto colocou-nos na posição ingrata de não poder escolher. Resultado? Mais tempo sentados, mais tempo deitados, mais tempo sobretudo parados. É um facto, que salvo algumas exceções, o sedentarismo aumentou consideravelmente e com ele surgiram todas as consequências que lhe são inerentes. Numa altura em que as nossos esforços se concentram maioritariamente em medidas de prevenção, surgem dados, que apesar não surpreenderem, para além de interessantes, são sobretudo relevantes. O risco de complicações agravadas e mesmo a taxa de mortalidade após contração de Covid-19, são consideravelmente mais elevados quando associados à presença de fatores de risco. Por fatores de risco consideramos condições como: idade, obesidade, hipertensão, diabetes tipo II, dislipidemia, doenças cardíacas, doenças renais, doenças respiratórias, tabagismo…). O que têm em comum? Resultam de hábitos comportamentais inadequados e o sedentarismo provocado pela pandemia aumenta em grande escala a exposição a estes fatores.
A questão hormonal - Impacto da Atividade Física
Quando o nosso organismo se sente ameaçado, ele reage através da ação do seu sistema nervoso simpático. Uma das consequências é a libertação de cortisol, adrenalina e noradrenalina, hormonas produzidas pelas glândulas suprarrenais. As suprarrenais têm como principal função a regulação dos níveis de sódio, potássio e água, do metabolismo dos hidratos de carbono e nas respostas do corpo perante situações de stress. Como qualquer indicador que esteja fora dos valores considerados normais, o excesso destas hormonas pode trazer consequências prejudiciais para o nosso organismo, como é o caso do muito estudado cortisol. De facto, quando em excesso, esta hormona pode ser responsável por quadros de depressão, ansiedade, excesso de peso, fadiga crónica…e até mesmo interferir com o nosso principal mecanismo de defesa, o Sistema Imunitário. Justiça seja feita, muitas vezes considerado como o vilão, o cortisol merece também uma palavra de apreço. Assume um papel fundamental na homeostasia (correto funcionamento) do nosso organismo, uma vez que controla o stress, reduz processos inflamatórios, contribui para o funcionamento do sistema imunitário, mantém glicemia e valores de pressão arterial constante. Em jeito de conclusão o cerne do problema não se encontra no combate directo ao cortisol, mas sim nos mecanismos que desencadeiam este produção exacerbada, como por exemplo o stress, a depressão e ansiedade. É aqui que estratégias como a atividade física, ganham a sua real importância.
As evidências científicas mostram-nos que a prática regular de atividade física está relacionada, de forma geral, à ausência ou à redução significativa de sintomas associados a quadros depressão e ansiedade. Mesmo para aqueles com diagnóstico clinico, o exercício apresenta-se eficaz na redução desses mesmo sintomas. Mas como funciona? De facto, existem alguns mecanismos que nos explicam como a atividade física promove este tipo de resultados.
Temperatura Corporal
O aumento da temperatura corporal resultante do exercício, poderá ajudar na redução dos sintomas de depressão. O aumento da temperatura em regiões especificas do cérebro, como o tronco cerebral, pode levar a uma sensação generalizada de relaxamento e redução da tensão muscular.
Endorfinas
As endorfinas são hormonas produzidas pela hipófise e utilizadas pelos neurónios na comunicação do sistema nervoso. Estão associadas à boa disposição e a uma generalizada sensação de bem-estar. Podem ainda ser eficazes na inibição da transmissão de dor. Vários estudos têm demonstrado um aumento da libertação de endorfinas tanto em exercício agudo como no crónico.
Monoaminas
As monoaminas são um grupo de substâncias bioquímicas derivadas de aminoácidos, que promovem e equilibram os sinais entre neurónios e outras células do corpo. As evidências mostram que a atividade física estimula a disponibilidade destes neurotransmissores, através do aumento da serotonina, dopamina e norepinefrina, que em casos de depressão, apresentam concentrações reduzidas.
(Des)Foco
Um outro efeito que tem sido observado naqueles que praticam exercício, é o facto destas atividades servirem como uma distração para as preocupações e pensamentos depressivos. A atividade física tem mesmo sido comparada com terapias mais convencionais, mostrando em alguns casos uma maior influência na gestão da depressão do que atividades de caracter auto-focal e de introspeção, geralmente utilizadas em tratamentos mais conservadores.
Auto-eficácia
A auto-eficácia pressupõe que quem executa uma determinada tarefa, possui as habilidades necessárias para a correcta execução dessa mesa tarefa. A atividade física, que pelas suas características promove um aperfeiçoamento de determinados comportamentos, tem um papel importante na obtenção desse sucesso. Estudos recentes revelam que as melhorias progressivas resultantes da prática de exercício, contribuem para um sentimento de confiança, que normalmente é baixo em estados depressivos, fazendo mesmo a transferência para as tarefas do dia a dia.
Conclusão
Mais que nunca precisamos de um escape. Algo que nos permita desligar deste mundo e ligar a um outro, onde tudo está mais calmo e em que podemos finamente pensar um pouco em nós. A atividade física pode assumir-se como esse “escape”. Para aqueles que já tinham essa rotina, é importante encontrar alternativas que nos façam manter ativos, dar continuidade ao trabalho desenvolvido e ir novamente ao encontro dos objectivos que foram traçados. Para quem está a começar, o exercício pode revelar-se como uma estratégia por um lado evolutiva, na medida em que nos permite desenvolver diferentes capacidades (não apenas físicas) de forma progressiva, e por outro preventiva, antecipando consequências naturais do sedentarismo, incrementadas pelo facto de estarmos fechados em casa.
Numa altura em que os ginásios já reabriram, é importante reflectir o quão relevante pode ser a presença da atividade física no nosso organismo. Seja de forma presencial ou virtual (online), o fundamental é encontrar a solução que mais se adequa a cada um, que nos traz mais confiança e que permita que o exercício seja regular. Procure algo orientado para as suas necessidades e confie! Os espaços de treino têm feito esforços enormes para garantir segurança e qualidade de quem pratica. Está na altura de dar este passo.
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Vasco Barbosa
Regional Master Trainer - Holmes Place Academy