Deixar de fumar faz com que o peso aumente?

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Será que deixar de fumar tem uma relação direta com o aumento de peso?

O consumo de tabaco constitui um dos mais importantes problemas globais de saúde pública.

Segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2008, sobre epidemia global do tabaco, o tabagismo foi responsável pela morte de 100 milhões de pessoas no século XX. Se esta não for controlada, estima-se que poderá matar mil milhões, ao longo do presente século. A OMS estima que anualmente morrem mais de 8 milhões de pessoas por doenças associadas ao consumo de tabaco, das quais cerca de 1,2 milhões são por exposição ao fumo ambiental.


As estimativas apontam para, em 2017, terem morrido em Portugal mais de 13 000 pessoas por doenças atribuíveis ao tabaco, sendo que a mortalidade por tabagismo afeta ainda maioritariamente o sexo masculino.


Com especial incidência nos países desenvolvidos, e no caso especial do continente Europeu, fumar é uma das principais causas evitáveis de doenças crónicas não transmissíveis, como por exemplo o cancro, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crónicas e a diabetes mellitus tipo 2.


Desta forma, os benefícios da cessação do consumo de tabaco têm vindo a ser amplamente estudados, nomeadamente no que diz respeito ao aumento da esperança média de vida, em indivíduos que sejam ou não portadores de doenças relacionadas com tabagismo.


No entanto, sabe-se que cerca de 80% das pessoas que deixam de fumar sofrem de um aumento de peso associado à desabituação tabágica, sendo este um dos principais motivos para relutância em tomar essa decisão, bem como de recaídas.


Cessação Tabágica e Aumento de Peso


Sabe-se que, em média, os fumadores apresentam um menor peso corporal do que os não fumadores.  

A nicotina, substância presente nos cigarros, atua o nível do hipotálamo e funciona como um supressor de apetite, que juntamente à redução do olfato e do paladar causado pelo fumo do cigarro, leva a uma diminuição da ingestão alimentar. Adicionalmente, a nicotina aumenta o metabolismo basal, fazendo desta forma com o que o dispêndio energético total diário de um fumador seja superior ao de um não fumador, e possui também um efeito termogénico, potenciando a utilização de gordura como fonte de energia em organismos utilizadores de tabaco.


Esta situação inverte-se quando um indivíduo deixa de fumar, uma vez que o metabolismo basal diminui para valores normais após a abstinência, e a oxidação lipídica diminui, pelo que o armazenamento de gordura vai sofrer um aumento, principalmente na zona abdominal. Estima-se que a diminuição do metabolismo basal esteja na origem dos 40% aumento ponderal após a cessação.


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Adicionalmente, com a privação da nicotina, o apetite é novamente estimulado, e a palatibilidade dos alimentos é também melhorada , o que geralmente resulta num aumento do prazer associado à alimentação. A indução do apetite causada pela falta da nicotina pode aumentar a ingestão energética em cerca de 230 kcal/dia, o que a médio prazo vai conduzir a um balanço energético positivo, logo a um possível aumento de peso.


A nicotina também proporciona a libertação de hormonas como a serotonina e a dopamina, que estão geralmente associadas ao prazer e bem-estar. Desta forma, como forma de compensação e de melhoria da irritabilidade e humor, o ex-fumador vai procurar inconscientemente obter sensações idênticas de prazer através da alimentação, aumentando a ingestão de alimentos ricos em gorduras e açúcares, que por sua vez são também fontes de elevada densidade energética.


Estudos sugerem que, em média, o aumento de peso ronda os 5 kg após a cessação tabágica, podendo ultrapassar os 10kg de aumento ponderal ao fim de 5 anos de deixar de fumar. Cerca de 7% dos ex-fumadores ganha mais do que 18kg e 4% mais de 20kg. Este ganho de peso não é uniforme ao longo do tempo, sendo mais evidente e acentuado nos primeiros três meses após a cessação (Aubin et al., 2012; Melo, 2015; Robertson et al., 2014).


Deverá a cessação tabágica ter um acompanhamento nutricional? 


Sim, com muita paciência, sabedoria e estabelecimento de prioridades.

Uma vez que a cessação tabágica só por si acarreta bastantes exigências emocionais, não é aconselhado em concomitante um controlo de peso através de uma dieta de restrição energética (Melo, 2015).

É fundamental esclarecer o fumador que os benefícios para a saúde decorrentes da cessação tabágica excedem quaisquer outros riscos associados ao aumento de peso ou a outros efeitos psicológicos que possam surgir depois da cessação.


Qual o papel do Nutricionista?


Enquanto profissional de saúde, o Nutricionista vai ter o papel fundamental de orientar a pessoa que demonstra vontade de deixar de fumar, nomeadamente no que diz respeito:

- à adoção de um estilo de vida mais saudável, encorajando por exemplo a prática de exercício físico, o fraccionamento das refeições ao longo do dia, o consumo de alimentos que aumentem a saciedade;

- ao fornecimento de aconselhamentos alimentares direcionados para uma cessação tabágica com ganhos ponderais minores associados, tentando promover a importância da redução do consumo de alimentos mais processados, ricos em açúcar e gordura;

- ao reforço positivo que diariamente pode fornecer a um cessante, por cada dia que conseguiu passar sem fumar;

- a ensinar a distinção entre fome física e fome emocional.


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Conclusão


O consumo de tabaco, caso não seja controlado, vai continuar a contribuir para o aumento contínuo das taxas de mortalidade prematura e dos gastos em cuidados de saúde em países desenvolvidos, impactando com inúmeros fatores socioeconómicos.

Apesar de não existirem anda estudos que comprovem que uma intervenção nutricional poderá reduzir o aumento de peso associado à cessação tabágica, há muito que profissionais de saúde como Nutricionistas, Personal Trainers, entre outros, podem fazer para melhorar todo o processo de abstinência.



Referências Bibliográficas

Almeida, R. (2019). PROGRAMA NACIONAL PARA A PREVENÇÃO E CONTROLO DO TABAGISMO. 51.

Aubin, H.-J., Farley, A., Lycett, D., Lahmek, P., & Aveyard, P. (2012). Weight gain in smokers after quitting cigarettes: Meta-analysis. BMJ, 345(jul10 2), e4439–e4439. https://doi.org/10.1136/bmj.e4439

Bush, T., Lovejoy, J. C., Deprey, M., & Carpenter, K. M. (2016). The effect of tobacco cessation on weight gain, obesity, and diabetes risk: Tobacco and Obesity. Obesity, 24(9), 1834–1841. https://doi.org/10.1002/oby.21582

Lycett, D. (2011). Weight gain associated with smoking cessation: A cohort analysis and feasibility trial for dietary management. 371.

Melo, S. C. S. (2015). Cessação Tabágica e peso corporal Tobacco cessation and body weight. 51.

Robertson, L., McGee, R., & Hancox, R. J. (2014). Smoking Cessation and Subsequent Weight Change. Nicotine & Tobacco Research, 16(6), 867–871. https://doi.org/10.1093/ntr/ntt284

 World Health Organization (2008). Report on the global tobacco epidemic. The MPOWER package.


Rita Monteiro

Nutricionista Holmes Place Palácio SottoMayor

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