Saúde mental: poderá a alimentação mudar a forma como pensa?
Sabia que cerca de 350 milhões de pessoas vivem com a mais comum das perturbações da saúde mental? A depressão. Comece hoje a cuidar da sua saúde mental e agradeça amanhã.
Estima-se que as perturbações mentais e neurológicas representem cerca de 13% das patologias existentes mundialmente, colocando desta forma as doenças mentais num patamar acima de patologias como o cancro e as doenças cardiovasculares.
Cerca de 350 milhões de pessoas vivem com a mais comum das perturbações da saúde mental: a depressão. A depressão está associada a uma diminuição da produtividade, baixos resultados psicossociais e à diminuição da qualidade de vida e do bem-estar, tornando-se desta forma um evidente problema de saúde pública com carácter urgente de atuação.
Com o intuito de diminuir as abordagens farmacológicas e psiquiátricas no tratamentos destas doenças, o interesse pela relação entre a nutrição e o comportamento humano tem vindo aumentar junto da comunidade científica ao longos dos últimos anos.
Vários estudos têm sido realizados no sentido de perceber a relação do estilo de vida, designadamente dos hábitos alimentares, na saúde física e mental, nomeadamente no que diz respeito à contribuição da alimentação para o desenvolvimento de perturbações mentais relacionadas com o stress.
Qual a relação entre a saúde mental e a nutrição?
A relação entre estes fatores é complexa, mas parece ser bidirecional, na medida em que uma alteração dos padrões alimentares pode levar ao desenvolvimento de patologias psiquiátricas através de efeitos diretos no humor, ao mesmo tempo que o desenvolvimento destas doenças por si só pode também levar à alteração dos hábitos alimentares.
Estudos realizados em populações adultas demonstraram que diferentes padrões alimentares podem influenciar o desenvolvimento de patologias psiquiátricas, e nomeadamente que uma melhoria da qualidade da dieta está relacionada com melhores resultados ao nível da saúde mental.
O conceito “nutrição psiquiátrica” tem vindo a ganhar alguma robustez na medida em que, ao mesmo tempo que se pretende reduzir os custos de saúde, existe também o intuito de melhorar o humor, aperfeiçoar a função cognitiva prevenindo o seu declínio e até mesmo fornecer efeitos benéficos para inúmeras doenças neurológicas, como por exemplo a epilepsia, a hiperatividade ou o autismo.
Nutrição e Saúde Mental
Muitas das vias metabólicas associadas ao desenvolvimento de perturbações do foro psíquico estão relacionadas com fatores inflamatórios, como por exemplo níveis elevados de Proteína C Reativa (PCR) e Interleucina-6 (IL-6), que por sua vez levam à alteração do funcionamento das células neuronais e à deterioração da função cognitiva.
Muitas destas vias metabólicas são idênticas às de algumas doenças crónicas não transmissíveis, como é o caso da obesidade, diabetes tipo I ou doenças cardiovasculares.
O estado inflamatório presente por exemplo na obesidade está intimamente ligado à regulação de humor e ao stress oxidativo, pelo que é possível estabelecer uma relação entre a dieta, o metabolismo e a saúde mental.
A adoção de um regime alimentar mais “anti-inflamatório”, que se insira num padrão mediterrânico, rico em frutas, legumes e vegetais, que fornecem polifenóis, em peixes gordos e a sementes, fontes de gorduras polinsaturadas, e em cereais integrais, parece proporcionar uma melhoria do humor e da função cognitiva e uma diminuição da inflamação neuronal, contribuindo desta forma para a diminuição de sintomas depressivos.
É ainda desconhecido como o consumo de hortofrutícolas pode ser benéfico para todos os fatores anteriormente referidos, mas sabe-se que existe uma correlação positiva entre o aumento do consumo de hidratos e carbono complexos, fibra, vitamina C, vitaminas do complexo B, carotenoides, potássio e polifenóis presentes nestes alimentos e a diminuição dos sintomas de inúmeras doenças mentais.
Por outro lado, vários estudos demonstram que uma dieta deficiente em alguns micronutrientes, nomeadamente vitaminas do complexo B, é determinante para o aparecimento de fadiga, demência, perda de memória, letargia, depressão, psicose, etc.
Poderá uma dieta plant-based ajudar?
Publicações mais recentes têm vindo a enfatizar que uma dieta plant-based, com a exclusão de parcial ou total de produtos de origem animal (como carne, peixe e ovos), também possui benefícios para a saúde mental e função cognitiva. Mais uma vez a diminuição de fatores inflamatórios associados ao consumo de fontes animais está no centro dos estudos, especificamente no que diz respeito à diminuição de colesterol total e colesterol LDL (“mau colesterol”, hemoglobina glicada (parâmetro de diagnóstico da diabetes), e que por sua vez estão relacionados com a diminuição de marcadores cognitivos e emocionais.
Por outro lado, um dos maiores riscos associados uma alimentação 100% de base vegetal é a deficiência de vitamina B12, caso não exista o cuidado de incluir alimentos fortificados nesta vitamina ou de se fazer uma suplementação correta.
A vitamina B12 é um componente crucial envolvido no desenvolvimento do cérebro do feto, contribuindo para uma saudável manutenção do sistema nervoso e funcionando como neuroprotetor. Uma deficiência de vitamina B12 pode levar a uma acumulação da homocisteína, que, por sua vez, aumenta o risco de formação de placas de ateroma (arteriosclerose). A arteriosclerose é diretamente proporcional ao aumento de sintomatologia em portadores de doença de Azheimer e Parkinson.
Desta forma é fundamental estar atento a este e a micronutrientes limitantes numa alimentação exclusivamente plant-based, de modo a reduzir o desenvolvimento de fatores neurodegenerativos a longo prazo.
Alguns estudos realizados referem também a importância da microbiota intestinal na regulação do metabolismo da serotonina, muito embora os mecanismos através dos quais este fenómeno acontece não sejam ainda claros. O stress parece ter um impacto negativo no microbioma, e, por conseguinte, na saúde digestiva. A composição da nossa flora intestinal é determinada por fatores externos, como por exemplo o estilo de vida, nomeadamente a alimentação, pelo que os hábitos alimentares podem ser determinantes para controlar perturbações psíquicas, como é o caso da ansiedade.
Qual o papel do Nutricionista?
O Nutricionista deve saber identificar quais os fatores de estilo de vida que possam estar a influenciar a saúde mental, ou se existe alguma perturbação psíquica que esteja a comprometer o estado nutricional individual.
Em ambiente de consulta é fundamental o profissional pôr em prática uma escuta ativa de modo a conseguir captar questões omissas e a garantir a melhor abordagem nutricional para o seu utente.
Um importante fator de estilo de vida que está ligado à saúde mental são as interações sociais, que muitas vezes se estabelecem através de convívios que vão interagir com a dieta. É de conhecimento comum que existe uma linha bem definida entre a fome física e a fome emocional, sendo que muitas vezes a ingestão pode estar relacionada com o prazer e não com a necessidade. Cabe ao nutricionista fazer o seu cliente entender que, dentro de um equilíbrio, a vertente emocional e social que a alimentação tem é fundamental para uma boa saúde mental, nomeadamente do que diz respeito à melhoria do humor e redução do stress do dia a dia.
Todas as abordagens são válidas, e devem ser adaptadas e individualizadas caso a caso, tendo sempre como prioridade o estado nutricional do paciente, satisfazer as suas necessidades, e encontrar um caminho para garantir o bem-estar geral da pessoa.
Conclusão
A Organização Mundial de Saúde estabeleceu que as doenças mentais são um problema grave de saúde pública a nível global, que está em crescimento.
Tendo em conta o estado da arte atual, é necessária e premente evidência científica mais robusta que ajude a entender na totalidade os mecanismos pelos quais a alimentação pode atuar na prevenção ou remissão das doenças psiquiátricas.
Não podemos ainda afirmar com certeza se a alimentação pode alterar a nossa forma de pensar, mas certamente se alteramos a nossa forma de pensar vamos concluir que há muitos fatores alimentares que podemos alterar em prol da nossa saúde mental e bem-estar geral.
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Rita Monteiro
Nutricionista Holmes Place Palácio SottoMayor